Vivemos uma mudança de paradigma, numa sociedade em constante transformação, onde desafios e oportunidades coexistem. Se por um lado, há uma crescente consciência dos nossos direitos, que se reflete no reconhecimento dos direitos das crianças. Por outro lado, enfrentamos um cenário educativo e tecnológico que, muitas vezes, não acompanha essa evolução de forma eficaz.

A educação é um dos grandes pilares do nosso sucesso enquanto sociedade. Mas como podemos garantir que as crianças estão verdadeiramente no centro desse processo de transformação? Que participam de forma efetiva nas questões que lhes dizem respeito (artº12º)? Como assegurar que os direitos consagrados na Convenção sobre os Direitos da Criança sejam respeitados e aplicados no dia a dia das escolas? Como podemos capacitar educadores para que promovam experiências de aprendizagem mais inclusivas, inovadoras e relevantes? Como preparar as crianças para serem cidadãos activos e terem sucesso num mercado de trabalho  sobre o qual pouco se prevê?

Foi com estas questões em mente que, quando a Braga Media Arts me lançou o desafio de criar uma formação para professores, baseada na minha experiência enquanto investigadora e ativista na relação entre os direitos das crianças, a tecnologia e o design, nasceu a formação “Educadores do Pós-Digital: Literacia e Metodologias Participativas Centradas na Criança”. O workshop decorreu no passado dia 8 de fevereiro no Gnration, em Braga, e reuniu educadores de diferentes níveis de ensino, público e privado, com o objetivo de explorar novas abordagens para um ensino mais centrado na criança.

Seria contraditório se esta formação fosse pensada para ser apenas mais um espaço de aprendizagem teórica ao modelo do ensino tradicional. A formação deveria ser o exemplo daquilo a que se propunha. Desde o início, o objetivo foi criar um espaço de experimentação, reflexão e construção coletiva, onde cada participante traria a sua experiência e pudesse repensar o seu papel enquanto facilitador da aprendizagem e sair munido de ferramentas concretas para aplicar no seu contexto educativo.

No decorrer da criação do workshop, que queria eminentemente prático, desenvolvi uma ferramenta: um card deck com exercícios para a formação. O objetivo é auxiliar educadores na aplicação de metodologias participativas, promovendo criatividade, pensamento crítico e reflexões sobre a integração da tecnologia na educação. O protótipo sob a forma de exercícios foi testado no workshop, e a intenção é transformá-lo em um produto acessível para apoiar formações futuras e para auxiliar professores e educadores no desenvolvimento de experiências mais participativas e inovadoras.

Protótipo do card deck

A estrutura do workshop foi desenhada para guiar os participantes por cinco momentos:

Estrutura do Workshop

1 – O Impacto do Digital e a Literacia como Competência Essencial
2 – Educação Centrada na Criança: Transformar Desafios em Oportunidades
3 – Metodologias Participativas, Criatividade e Design Thinking na Educação

4 – Literacia Digital: Design Thinking e Co-criação com Inteligência Artificial em Processos Educativos
5 – Desenho de uma Experiência Educativa Concreta para Implementação

1 – O Impacto do Digital e a Literacia como Competência Essencial

A primeira parte da formação abordou os desafios e oportunidades da educação contemporânea, focando no impacto da era digital no ensino e na aprendizagem.

Como é que o digital está a transformar a forma como as crianças aprendem?
Quais são os principais desafios e riscos da era digital na educação?
Como podemos preparar os alunos para serem cidadãos críticos e ativos no meio digital?

Os participantes realizaram um mapa de desafios através de uma análise SWOT, identificando os pontos fortes e fracos do ensino atual e as oportunidades que podem ser aproveitadas. A literacia digital foi debatida como uma competência essencial, não apenas do ponto de vista técnico, mas sobretudo como uma ferramenta de empoderamento e de participação ativa das crianças no seu próprio processo de aprendizagem.

2 – Educação Centrada na Criança: Transformar Desafios em Oportunidades

O segundo eixo focou-se nos princípios fundamentais de uma educação verdadeiramente centrada na criança e nos seus direitos enquanto protagonistas do seu próprio percurso educativo. A Convenção sobre os Direitos da Criança defende a participação ativa dos mais novos em todas as decisões que lhes dizem respeito, mas até que ponto as nossas práticas educativas refletem essa visão? Que estratégias podemos usar para que esta abordagem possa ser implementada nas escolas?

Como podemos garantir que a voz das crianças é ouvida nas decisões que impactam a sua aprendizagem?
Quais são os obstáculos à participação ativa das crianças no processo educativo?
Como transformar os desafios identificados numa visão mais participativa e inovadora da educação?

Através de dinâmicas de grupo e exercícios colaborativos, os participantes exploraram formas de adaptar os seus métodos de ensino para colocar a criança no centro do processo, promovendo um ambiente mais inclusivo, participativo e orientado para o desenvolvimento de competências essenciais.

Professores e educadores, do pré-escolar ao 3º ciclo do sector publico e privado procuraram em conjunto desenhar novas abordagens para um ensino mais centrado nas crianças e jovens.

3 – Metodologias Participativas, Criatividade e Design Thinking na Educação 

Este momento da formação, dedicado a explorar estratégias concretas para tornar o ensino mais participativo e inclusivo, trouxe uma abordagem prática às metodologias ativas e participativas, através do Design Thinking, como ferramenta eficaz para a inovação educativa. 

Analisamos exemplos desde a construção de uma infraestrutura educativa, um ecossistema de aprendizagem até à construção dos próprios currículos, com a referências ao edifício da Reggio em Madrid e à Agora School. 

Como podemos tornar os alunos co-criadores da sua própria aprendizagem?
Como aplicar os princípios do Design Thinking à educação?
Como envolver as crianças na resolução de desafios e na criação  do seu próprio curriculum e ecossistema escolar?

Este módulo foi essencial para demonstrar o potencial das metodologias ativas na construção de um ensino onde as crianças são agentes do próprio processo de aprendizagem. Os participantes foram desafiados a experimentar processos de co-criação com tecnologias de IA, desenvolvendo soluções práticas para problemas reais da sua prática educativa. Este módulo demonstrou o para tornar o ensino mais envolvente e significativo, capacitando os educadores para desenharem experiências de aprendizagem que incentivem a criatividade, a experimentação e a resolução colaborativa de problemas. 

4 – Literacia digital: Design Thinking e Co-criação com Inteligência Artificial em Processos Educativos

Analisamos ferramentas e projetos de IA. Com essa abordagem, os participantes elegeram um dos desafios/oportunidades identificados na análise SWOT e exploraram como a cocriação com a tecnologia e a experimentação podem gerar soluções inovadoras. O momento foi enriquecido com um exercício prático de Design Thinking com Inteligência Artificial, explorando o potencial da IA como uma ferramenta criativa e facilitadora do processo educativo.

O exercício de co-criação com a IA seguiu os seguintes passos:

1. Desafio Educativo e Criação de Persona: Partindo da analise SWOT os participantes identificaram um desafio educativo real. Dando contexto a um chatbot (no caso utilizamos o ChatGPT) para desenvolver uma persona que representasse um educador, atribuindo detalhes como idade, experiência, desafios enfrentados e aspirações.
2. Entrevista ao Educador/Persona: Simularam uma entrevista com a persona criada, utilizando o ChatGPT para responder a perguntas sobre o desafio educativo, incluindo as causas do problema, os sentimentos que ele provoca e as necessidades que emergem dessa situação.
3. Definição do Problema: Com base nas informações recolhidas da entrevista, formularam um problema definido e conciso que capturasse a essência do desafio educativo.
4. Ideação de Soluções: Realizaram, com apoio da ferramenta da IA, uma sessão de brainstorming para gerar o máximo de soluções possíveis. Pedindo para sugerir 10 ideias divertidas e inovadoras que utilizassem metodologias participativas centradas na criança, levando em conta os insights da entrevista.
5. Escolha e Implementação da Solução: Escolheram uma das ideias geradas pelo ChatGPT que melhor se alinhava com as necessidades identificadas e solicitaram um plano detalhado sobre como implementar essa solução, incluindo etapas, recursos necessários e possíveis desafios.
6. Prototipagem Visual: Utilizaram o DALL-E (agora incorporado no ChatGPT) para criar um protótipo visual da solução proposta.
7. Apresentação e Feedback: Apresentaram o protótipo visual aos colegas e recolheram feedback sobre a solução proposta, debatendo o que funcionou bem e o que poderia ser melhorado.

Este exercício demonstrou como a IA pode ser usada como ferramenta de co-criação, ajudando educadores a explorar abordagens inovadoras, adaptar metodologias e impulsionar a criatividade no ensino. Aproveitamos e também abordamos os vieses da tecnologia de IA e discutimos a dimensão ética da tecnologia. Os resultados foram surpreendentes para os participantes. 

5 – Desenho de uma Experiência Educativa Concreta para implementação

Em grupos, escolheram um contexto educativo específico e desenvolveram uma proposta concreta sobre como adaptar os conceitos e ferramentas aprendidas nesse contexto. Consideraram 3 eixos fundamentais:

1 – Tecnologia: Quais ferramentas digitais mais adequadas para implementar a proposta?
2 – Criatividade e Pensamento Crítico: Como promover a criatividade e o pensamento crítico entre os alunos?
3 – Inclusão e Segurança: Como garantir a inclusão e a segurança dos alunos durante a experiência educativa?

Os participantes levaram consigo planos concretos e detalhados que criaram ao longo das 6h de workshop para implementarem nos seus contextos educativos. Foi uma experiência muito empoderadora e transformadora. 

A Energia da sala e a Vontade de Mudar

O que mais me marcou nesta formação foi a enorme vontade de transformação demonstrada por todos os participantes. Professores e educadores do pré-escolar ao 3º ciclo partilharam as suas preocupações, desafios e sonhos e dedicaram um sábado a trabalhar para uma educação mais inclusiva e centrada nas crianças.

A diversidade de experiências tornou as reflexões ainda mais ricas. No final do dia, ficou claro que há um movimento crescente de professores e educadores que querem inovar, incluir e repensar a forma como ensinamos e aprendemos.